Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

Palavras de Ponte de Sor, de Peniche e da Galiza

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Ora, no sábado, é a vez de Ponte de Sor: lá estarei a falar sobre os segredos da nossa língua. Quem vai estar comigo a falar do livro é o vereador Rogério Alves. Apontem na agenda e atrevam-se a ir até ao Alto Alentejo: sábado, 16 horas, no Centro de Artes e Cultura da cidade.

(Agora reparo: Picoas, Peniche, Porto, Parque das Nações, Ponte de Sor. Não fosse Santiago de Compostela, e este era o livros dos pês. Será que Portimão quer ouvir falar dos segredos da língua? Estamos na época…)


Desculpem-me as pessoas de Ponte de Sor, mas a vossa terra também é um pouco minha. Sim, quando uma pessoa se casa com alguém, casa-se com a pessoa, mas também com a família (isso já muitos disseram) — e com a terra.

Pois abram lá os Doze Segredos na página 44:

NAOSEJASLAMBAO


As ideias são como as cerejas — e se estava a falar de Ponte de Sor, reparo no parêntesis do excerto que está aqui em cima.

Nesse parágrafo, falo da palavra «chincar», que é muito penicheira… e muito galega!

Sim: depois de me ouvir a falar dessa mesma palavra na Antena 3, há umas semanas, o José Ramom Pichel, que tem um entusiasmo contagiante em tudo o que tem a ver com a língua, mandou-me de imediato um e-mail a dizer que, há uns anos, esteve a fazer uma recolha de dicionários históricos do galego. E, com esse trabalho, descobriu que muitas das palavras populares em Portugal estão nesses dicionários… de galego!

Exemplo: o tal «chincar», que eu pensava ser uma palavra penicheira, é penicheira, sim, mas também é galega. E com o mesmo significado: «tocar». Magnífico, não é?

Diga-se que a palavra, nos tais dicionários, tem mais do que um significado: o «tocar», sim, mas também «ordenhar», o que deixaria os penicheiros a rir — mas é normal, as palavras têm vários significados e quase que aposto que haverá uma ou outra terra portuguesa onde «chincar» também se ouve (ou ouvia) para «ordenhar».

Agora, o que espanta, pelo menos quem não conheça a proximidade entre galego e português, é que uma palavra que encontramos em dicionários históricos do galego apareça perdida na boca dos adolescentes duma terra à beira-mar, bem portuguesa, bem mais a sul.

Assim descobrimos, sem querer, como as palavras são matreiras: algumas, mudam entre os poucos quilómetros que separam Peniche de Ponte de Sor. Outras mantêm-se, teimosas, a ligar Peniche à Galiza. E todas ligam-nos a nós, que gostamos de ler e conversar, seja onde for. Pois agora é em Ponte de Sor.

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Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

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5 comentários
  • Aventar, com o mesmo sentido, usa(va)-se muito e em Vila Velha de Ródão. E, certamente, não só…
    Calhandrar, calhandreira, conheci principalmente na Marinha Grande . Aí havia mesmo um largo popularmente conhecido por Largo das Calhandreiras.

  • Comento ‘chincar’ (=cincar) – dic. meu (‘Língua de Pobre’):
    chincar (v.intr./tr.)
    1. Morrer.
    2. Provar, apanhar, tomar, obter, abichar.
    3. Gozar, ter coito.
    4. Cometer erro, engano, gafe, errar, falhar, perder.
    5. Cair em logro, manobra, armadilha.
    6. <Cincar(=) =quinar/1.
    7. (adoeceu de repente, chincou, Deus lhe fale na alma).
    8. (o maroto ainda chinca, olha muito para as moças).
    9. (͚Essa iniciação cincara nos testes costumados͛ – Aquilino, Caminhos Errados/ Maria Salomé).
    9. (͚o mestre cincava de todo na disciplina pedagógica͛ – Aquilino, A Casa Grande de Romarigães, XV).
    10. (͚Atenta em tudo, cincava a boa senhora quanto a estes requisitos͛ – Aquilino, A Casa Grande de Romarigães, XVII).
    – Cabral; DRA (cincar); Houaiss; Ribacoa (diferente); RL 16/227 (OP); RL 28/269 (AP);

  • Sou natural de Comenda no Gavião, não muito longe de Ponte de Sor. A palavra chincar era muito usada aí no seguinte exemplo: querias figos mas não os chincas).

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